O Conto das Linhagens
Ralph Affair
5
de junho de 1983 – Atlanta
Ele se sentia cada vez
mais estranho, hoje havia sido um dia ruim, um pouco mais que o normal assim
dizendo. Pensava que tudo que via e sentia já era o bastante. Afinal, não é
fácil ser o Ralph.
Lembrava-se claramente
quando Ronald, seu irmão de apenas sete anos, fora diagnosticado com câncer,
afinal ele quem havia descoberto. Ainda não podia compreender como aquelas
coisas começaram dentro de si e quando surgiram.
Ralph Affair tinha
apenas 15 anos, porém era um humano que tinha uma mente acima de todos, ele
podia ver coisas ruins nos outros, seja um sentimento ou até mesmo uma doença
que corrói um corpo aos poucos, podia ver tudo. Sempre fora horrível o poder de
observar coisas que ninguém mais podia e simplesmente não ter como agir a
respeito e, é claro, Nora e Elias possuíam um enorme medo do garoto desde que
esse era menor. Ele sabia que os pais o odiavam, podia sentir isso quando os
via o observando com olhos lacrimejados e em seguida desviavam o olhar. Ralph
os amava e sentia ás vezes, que os pais podiam pressentir isso.
Será que este é um dom
de Deus? Não sabia o que pensar, na maioria das vezes doía e acabava por não
saber quem era.
Estava no banho nesse
instante quando sentia mais uma vez uma dor agonizante que fez com que o seu
corpo congelasse instantaneamente e por instantes perdesse o foco do presente.
Sentira aquela mesma dor dias atrás, quase perdera a consciência e agora
novamente enfrentava a situação. Naquele momento o pequeno Ronald esmurrava a
porta com força, talvez ele tenha feito barulho ao esbarrar na pia e nem mesmo
tinha notado por estar desatento.
“Graças
aos céus papai e mamãe não estavam em casa!”, pensou ele.
— Está tudo bem? Ouvi um barulho. — Ronald ergue os
olhos escuros com um olhar preocupado debaixo do boné azul que ele usava.
— Claro, Ron. Não se preocupe, apenas escorreguei. —
Ralph coloca a toalha de banho verde claro em volta do pescoço e puxa o boné do
irmão acariciando de leve sua cabeça.
Ron recuou dando um meio sorriso e agarrando o boné de
suas mãos de volta para a cabeça. Desde quando os sintomas do câncer começaram
e ele ter de deixar a cabeça sem um fio sequer, ele não deixava o boné. Ele
estava passando por momentos difíceis.
Depois disso, os dois ficaram na sala vendo TV até a
tarde se esvair e a noite prevalecer, Ron já estava caído de lado no sofá
camurça verde-musgo e dormia tranquilamente.
Passava-se das duas da manhã quando a campainha tocou e
Ralph levantou-se vagarosamente para atender quem estivesse à porta. Ele
imaginava que finalmente eram seus pais, afinal, já deviam ter chegado há um
bom tempo, estava tarde.
Abriu uma fresta para observar o visitante, como sua
mãe ensinara: “Não abra a porta para estranhos”.
A tranca estava extensa ainda, olhou pela fina abertura
e viu o rosto da mãe, estava um tanto pálido e seus lábios tremiam, era como
ficava quando estava nervosa.
— Mãe, o que houve? — disse abrindo a porta com
rapidez. Seu pai também estava ali, mas não estavam sozinhos.
Havia um grupo de homens junto deles, um dos homens o
seguravam com os braços atrás das costas. Eram todos corpulentos e assustadores,
apenas um deles era mediano, um pouco mais que um metro e sessenta, mas exibia
um olhar aterrorizante e diabólico. Eram pessoas estranhas com uma energia
desconhecida, Ralph podia sentir, os olhos deles eram negros e fora das órbitas
em que era impossível prever sentimentos humanos.
— Ralph, vá para...
Não pudera terminar sua advertência, um homem branco e
gigantesco agarrou-a por trás e com o outro braço arrebatou Elias do chão pelo
pescoço e então os dois foram lançados porta adentro fazendo com que Ralph
recuasse cambaleando.
Ron levantou-se de um salto olhando boquiaberto olhando
para os lados procurando de onde viera o som. Ralph sentia-se como o irmão mais
novo, estava horrorizado e não podia compreender o que acontecia, mas é claro
que sabia que coisa boa não era.
— Saiam! — gritou Nora, seu marido não chorava como
ela, mas Ralph podia sentir como estava trêmulo e se continha para não cair aos
prantos e deixar os filhos amedrontados.
Fez menção de obedecê-la e sair dali, mesmo estando
pasmo e sem entender o que acontecia, muitas vezes ela comentara o que fazer
quando acontecesse algo do tipo. Mas não teve tempo para isso. Dois homens
barravam o corredor para os quartos e um protegia a porta de entrada.
— Este é o filho de Miguell? Parece mais um humano
insignificante.
O que é que essas pessoas queriam com ele? Não podia
ler os sentimentos de seus corpos como de todas as pessoas que conhecia, quando
tentou podia apenas sentir uma escuridão tão densa e inexorável que achou que
seu cérebro entraria em combustão.
— Não sou quem vocês estão procurando. — talvez
estivessem loucos, nunca ouvira falar neste tal Miguell. Eles faziam coisas
estranhas se moverem dentro de si.
Sua cabeça começava a latejar de apenas fixar a visão
naqueles olhos negros e profundos, estava nervoso e sua mão suava como nunca.
Observar diante de si seus pais ajoelhados com as cabeças voltadas para o chão
chorando quase inaudivelmente era horrível, e ver Ron encolhido no canto da
sala com um homem de cabelos negros a sua espreita era ainda pior.
— O que querem? — falou tentando juntar toda corajem
nessa pergunta e fazer com que não mostrasse o medo através de sua voz.
— Não responda nada a eles, Ralph! — Nora gritou em um
engasgo.
— Cale a boca, a vadia! — o homem branco e careca
insultou-a agarrando-a pelos cabelos grandes e castanhos e lançando-a ao chão.
Imediatamente Elias se ergueu e atacou o grandalhão,
seus lábios se moveram para protestar, mas era tarde demais.
Sempre fora de uma bondade sem fim, coisa que ele mesmo
não compreendia até esse exato momento. Mas tudo se esvaiu por um instante
enquanto observava o homem socar seu pai com tamanha força e inúmeras vezes,
imediatamente ele correu para cima do grandalhão.
Foi jogado para trás com um chute como se fosse um
graveto, seu pai tinha o rosto destruído pelos socos tão fortes e sangrava
muito. Sua face estava irreconhecível, Nora chorava e Ralph segurava a mão no
peito onde fora atingido.
Sua mente queimava e ele gemia de tanto ódio quando viu
o pescoço de sua mãe girar entre os braços do menor dos homens que exibia um
olhar diabólico, seu pai encarou-o pasmo por um último instante e antes que
pudesse dizer algo, outro homem ergueu uma faca tão afiadíssima e colocou toda
força em um golpe degolando a cabeça deste.
Ron chorava em soluços intermináveis e Ralph não
conseguia tirar os olhos do sangue que escorria por todo o tapete e chão e
continuava a esguichar.
— PORQUE?! — ele gritou entre as lágrimas que escorria
com tamanha rapidez, o ódio que sentira fora inigualável e a dor no corpo não
fora nada para impedi-lo de gritar e partir novamente para cima dos homens.
— Olhem nos olhos do garoto. — o homenzinho com olhar
diabólico e rosto convertido em ódio censurou aos parceiros deixando o corpo de
Elias ao chão. — É ele. O descendente.
— Você vai vir conosco, garoto.
— NÃO VOU.
Suas mãos começaram a fervilhar e o chão abaixo de seus
pés tremia, não gritava, mas algo exalava tamanho poder de dentro de si e
gerava um barulho arrebatador. Cadeiras e mesas voaram, o sofá tombou, vidros
viraram estilhaços e voavam por toda parte e os homens queimaram em fogo que
surgiu em seus corpos engolindo-os em um só ataque.
Tudo ficou claro, sentia seu corpo em trapos, estava
ajoelhado com as mãos no chão tremendo. Não sabia o que sentia, se era medo ou
a dor da perda.
Não resolvera muito ver tudo à sua volta, a sala estava
toda destruída, não podia diferenciar móveis, afinal todos estavam em pedaços
ou retorcidos.
Corpos estavam lançados por toda parte, conseguira
contar sete homens, eram todos com certeza, seus corpos estavam
irreconhecíveis, repletos de queimaduras e vidro estilhaçado e ainda sangravam.
— Ron?
Olhou ao redor, não podia ver resquícios, apenas
desviou o olhar quando notou a cabeça de seu pai em sangue, horrorizado
continuou recuando, o corpo de sua mãe também estava ali em algum lugar.
— Ron!
Gritou ainda mais alto, olhou por um instante e notou o
pequeno corpo debaixo dos destroços, era possível notar apenas suas pequenas
pernas debaixo da calça azul que usava. Ralph correu e tentou levantar o sofá
destruído e outras coisas que o cobriam, mas logo deixou tudo de lado, não
queria ver o corpo desfalecido do irmão. Não queria encarar aquilo.
Chorou desconsolado afastando-se da destruição, da dor
e do medo que o arrastava para as profundezas e correu porta afora.
Estava muito escuro ainda, vozes gritavam em sua
cabeça, mas não desistiu e continuou a correr sem parar por um instante. O
fôlego sumia, mas a vontade de sair dali era ainda maior.
Sentiu um aperto no peito. Era a dor da perda? Não, era
ainda pior. Caíra ali mesmo, encolhido na rua fria e na brisa forte que o
tocava, gritando e sentindo o corpo se contorcer em uma dolorosa dor que jamais
sentira.
Seus olhos encontraram o rosto de uma mulher de cabelos
grisalhos, devia ter mais que sessenta anos, seus olhos mostravam conhecimento
de muitos anos e a piedade em ajudá-lo. Ela o ergueu do chão ainda tentando
segurar-se a bengala que carregava e de alguma forma o tirou dali.
Ralph nunca soube como ela conseguira o tirar dali,
pois logo em seguida perdera a consciência.
Já fazia um pouco mais de um ano que sua família havia
sido massacrada em sua própria casa, não havia um dia em que ele não sentisse a
falta dos pais e do irmão e a dor ainda era tão grande dentro de si.
Todo mês voltava até a casa esperando encontrá-los, mas
a casa continuava vazia e silenciosa, agora ela estava intacta e não como
quando saíra dali. Sempre que passava
por ali via a mesma paca firme na grama do jardim, ele sabia que ninguém
compraria a casa e aquilo era insignificante.
Seus vizinhos, parentes e todos os outros, achavam que
ele estava morto, para eles, morrera junto da família massacrada. Lembrava-se
claramente do telejornal anunciando a morte de sua família, até hoje não sabiam
explicar o que acontecera e como a dezena de homens queimados surgiu na casa.
Não houvera explosão para que o local ficasse naquele estado, não houvera um
incêndio para os homens terminarem queimados.
Por um tempo, acreditavam que Ralph estava vivo, mas
logo desistiram, acreditavam que o corpo do homenzinho possuído era o dele,
afinal o cadáver fora carbonizado e tornara-se impossível de se identificar.
Assim eram todos. Por fim, ficara feliz por ninguém o
procurar, ser invisível era necessário no momento. Por isso, depois de um tempo
acabou parando de ir até a casa, na última vez acabou não sendo legal, travara
uma briga com demônios e notou que atravessar a cidade para vivenciar isso não
fazia parte de seus planos.
Quando saíra de casa aos tropeços e correra pelas ruas
sem direção acabara perdendo a consciência, mas a Sra. Evans o havia ajudado e
passara um pouco mais de três meses em sua companhia e desde o massacre vinha
sendo treinado.
Houvera estranhezas, muitas estranhezas. Sra. Evans era
Zifíllis. Muitos ergueriam as
sobrancelhas em sinal de dúvida com essa declaração, foi o que Ralph fez quando
a velhinha ergueu o corpo um pouco mais e gritou com o garoto.
Zifíllis era um anjo, dos antigos por assim dizer,
demorara um pouco para fazer com que Ralph acreditasse. O discurso fora grande.
— O que você viu naquela noite eram pessoas possuídas
por demônios e existem muito mais de onde eles vieram. Deixem pensar que foi um
massacre e que você morreu.
Ralph assentiu sentindo-se desconfortável ao observar o
anjo falar por dentro de uma idosa.
— Fui eu quem causou tudo aquilo, eu quem destruiu tudo
lá. O que eu fiz? Como fiz?
Zifíllis bufou e se remexeu no lugar, Ralph achou engraçado
como parecera por estar em um corpo “desapropriado”, em seguida o anjo começou
a lhe contar a história de cinco irmãos anjos.
— Sou o que? Acha que sou um desses descendentes?! Não,
não posso ser nada disso... — questionou Ralph depois de ouvir.
— O que acha então, Ralph Affair? — a velhinha bateu a
mão na mesa á frente com uma força descomunal. — Você viu o que são, sabe que o
que viu realmente existe. Sou um anjo, estava no sul da Itália quando você saiu
do controle e pude sentir sua presença. Foi a primeira transição e haverá mais
duas. Precisará ser treinado para suportá-las e a cada passo sua presença será
ainda mais exuberante para as trevas.
Ralph lembrava-se claramente de toda a conversa e
depois dai começara a acreditar em Zifíllis.
O anjo o treinou depois de possuir outro corpo, o
ajudou a fugir, lutar e controlar suas emoções e poderes. Cada regra e conselho
eram gravados por Ralph, ele sabia que dependeria disso.
— Controle sua força, não deixe que saia do controle e
assim poderá se esconder das trevas. — aconselhou ele.
Ralph estava parado no mesmo lugar, suas mãos tremiam e
não conseguia se concentrar.
— Aprenda! Não há opção, Ralph, se não se controlar vai
trazer uma infestação das trevas para si!
E Ralph corria pela rua escura, chovia muito, seu
presente se baseava no que vivenciava e também em seus pensamentos que
fervilhavam e vinham à tona. Agora ele sabia o que seu amigo anjo queria dizer
com “uma infestação das trevas”.
Zifíllis o deixara sozinho, não fizera como havia sido
treinado, saíra do controle. Com as mãos no joelho e a costa curvada procurando
ar, tremia enquanto se mantinha ensopado pela forte chuva.
“Não posso mais te ajudar, fiz por você tudo que podia.
Sinto que tem mais um por ai que saiu do controle e preciso ajudar. Não morra,
Ralph. Não saia do controle...”, foram as últimas palavras de Zifíllis para ele
antes de ir embora e deixá-lo ali.
Agora ali estava ele em um beco sem saída, sem força
alguma e totalmente fora de controle. Seu estômago revirava e sem conseguir
impedir, lágrimas escorriam com tamanha facilidade. Essa bondade é uma droga, pensou Ralph.
— Olha o que temos aqui.
Eram três homens que o cercavam, o que sobrou da luta
que tivera ruas atrás. Estava sendo perseguido por vampiros, lutara e correra
tanto e agora suas forças se esgotavam.
— Não pode fugir, Filho de Miguell. — rosnou o líder do
trio, seus olhos eram vermelhos como sangue, sua aparência retorcida em ódio,
suas presas eram enormes e amareladas parecendo um animal.
Ralph observava os três o cercando em círculo, todos de
dentes à mostra e sangue escorrendo pela boca, suas aparências eram totalmente
sombrias. Ele se ergueu e observou-os com raiva, sentia novamente a dor
insuportável o invadindo, a dor que sentira há mais de um ano.
Está vindo... a segunda
transição,
pensou ele.
Os vampiros continuavam a rodeá-lo observando
atenciosamente, suas presas se estenderam ainda mais.
— Como fomos avisados, o descendente de Miguell é um
garoto bondoso. — gargalhou o líder.
Ralph caiu de joelhos novamente, seu corpo todo entrava
em combustão como assim sentia, mesmo debaixo da chuva que não parava por um
instante ele podia sentir que suava.
Era o garoto de pele morena, os olhos castanhos
escuros, o corpo magro e a personalidade de alguém infinitamente bom.
Era.
Chorava lágrimas de sangue e a dor só aumentava a cada
instante, os vampiros observavam espantados o garoto ficar imóvel por alguns
minutos.
— Levante-se e lute, seu tolo. — ralhou um dos
vampiros, seu cabelo era avermelhado e seu corpo exibia músculos que se moviam
conforme falava.
— Você a deixou não é, Eduart? — Ralph se erguia
secando com uma das mãos os olhos ensanguentados, seu nariz e boca também
haviam sangrado. Havia um sorriso entreaberto em seus lábios secos. — Deixou-se
transformar em um monstro. O que você é para ela agora?
— O que você sabe sobre mim, seu verme? — esbravejou o
ruivo.
— Muitas coisas. Gostou de matar Tania?
Aquele não era o Ralph de minutos atrás, os vampiros
sabiam disso e estavam amedrontados. O tom escuro dos olhos do garoto havia
sumido e agora eram verdes tão claros e indecifráveis. Ele podia se sentir mais
alto e confiante.
— Não ataque, Eduart. — gritou o líder.
Eduart deixou as palavras transpassarem sua mente e
tornarem-se insignificantes, os dois vampiros tentaram impedi-lo, mas ele alçou
um salto e partiu para cima de Ralph.
Ralph observou calmamente o vampiro correndo a toda
velocidade para cima de si. Estava chegando... agora! Fora instantâneo, com
leveza deu um salto e quando o vampiro atacou acertou-o com os dois pés em um
golpe certeiro no peito do inimigo. Com o impulso ele girou no ar e caiu
agachado enquanto Eduart saiu rolando para o lado.
— Onde estiver a bondade ai também existirá o mal.
Arrancou uma faca reluzente de trinta centímetros, era
pura em ouro, Zifíllis havia deixado-a com ele. Mirou exatamente na cabeça de
Eduart e lançou com toda força, os vampiros grunhiram abismados observando a
faca transpassar o cérebro da criatura.
Um, dois, três... a faca reapareceu em sua mão, Ralph
observou o buraco profundo na cabeça de Eduart de onde esguichava sangue e em
seguida explodia em uma poça do mesmo líquido.
— Droga! — o segundo vampiro tinha barba e cabelos
negros, era ainda mais monstruoso e rápido. Em segundos abocanhou a artéria no
pescoço de Ralph com toda força.
O garoto sentiu uma pontada fraca de dor e o líder
sorriu, mas não por muito tempo, o vampiro se afastou de Ralph cuspindo sangue.
— Sangue de anjo... — comentou o líder.
Ralph assentiu sem nenhuma expressão no rosto, virou-se
e observou o vampiro engasgando e instantaneamente entrando em chamas e caindo.
— Venha. Prefere ser carbonizado— Ralph indicou o corpo
em chamas— ou prefere perder a cabeça?
O vampiro rosnou, observou-o cheio de ódio e em uma
velocidade desumana sumiu nas trevas.
Ralph relaxou o corpo sentindo-o formigar, fechou os
olhos e conteve o poder antes que criaturas que não pudesse combater
aparecessem.
A chuva havia diminuído, ainda estava muito escuro,
como notara havia sofrido a segunda transição e não pudera evitar sair do
controle. Entretanto, sentia-se mais forte do que nunca.
30
de setembro de 1985 – Roanoke
Seus olhos queimavam, as órbitas pareciam estar em fogo
e ele rolava na grama espessa tateando e tentando se levantar, mas a dor era
imensa e fora de controle, seu corpo se contraia e sentia algo extrapolar para
fora, uma dor intensamente aguda nas costas.
Passou as mãos com rapidez sobre a pele na costa que
parecia estar saindo sentindo-se confuso, saia grandes remendos e pedaços de
pele e carne e seus ossos apareciam expelir-se para fora.
Não era isso. Era macio e crescia imensamente, eram
asas brancas e gigantescas que surgiam com dois metros por cima de sua costa.
— Meu deus... Ralph, você precisa sair daqui!
Ralph olhou desacreditado para as sombras que as asas
faziam sobre o chão, o modo como eram fortes e enormes. A última transição, seu
corpo formigava, mas sentia o poder.
— Sammuel Svenford, obrigado por me ajudar até aqui.
Sammuel assentiu, o homem tinha cabelos negros e olhos
tão vivos, o rosto bem barbeado e pele clara. Ele era o bruxo que Ralph
encontrara e permaneceram juntos por um tempo.
Ele era bom e acreditava em Ralph, o ajudara muito até
ali, mas a transição chegara e não podia ficar mais com ele sem colocá-lo em
perigo e ele tinha uma filha em casa que precisava de sua proteção.
— Para onde vai, Ralph?
— Morei em Atlanta, conheci Sacramento, Dallas, Seattle
e agora Roanoke. Talvez Nova Iorque seja legal. — Ralph sorriu.
— Você consegue ter humor nas piores horas, garoto. Às
vezes me dá medo.
— Ora, Sammy, eu tenho asas— gabou-se olhando para as
grandiosas asas que reluziam e balançavam— às vezes, até mesmo eu sinto medo do
que sou.
Sammuel exibiu um grande sorriso no rosto e olhou ao
redor, Ralph precisava sair dali logo, sabia que os humanos não podiam ver como
ele era de verdade, mas não poderia arriscar.
— Até mais, garoto.
Ralph correu e apenas deixou o vento o levantar,
alçando voo por cima das casas acenando para Sammuel enquanto desaparecia nas
nuvens.
Perdera a noção de quanto tempo ficara no ar, estava
começando a ficar frio mesmo quando na terra lá embaixo estivera um clima mais
tropical. Sentiu vultos negros no ar, olhou ao redor em alerta.
— Droga! — ralhou Ralph.
Não eram vultos negros, eram demônios como vira há
muito tempo atrás, tinham olhos negros fora das órbitas e eles tinham... asas!
Eram grandes e negras e era impossível ver claramente seus rostos.
Inesperadamente um demônio voou em sua direção
agarrando sua perna esquerda, ele rodopiou no ar perdendo o equilíbrio e
chutando o rosto demoníaco.
Outra criatura apareceu em meio às nuvens e socou seu
estômago, ele tentou repelir e retribuir o golpe, mas ele era a minoria e mal
conseguia se mover.
Tentou fazer seu corpo entrar em combustão e então
queimar os demônios que o atacavam, mas não funcionou.
— Somos demônios originais, os anjos caídos, não pode
nos matar. — um terceiro demônio apareceu carregando uma espada enorme, ele
voou na direção de Ralph com uma rapidez incrível.
Ralph tentou se mover, mas era impossível. Uma dor
invadiu seu corpo no mesmo instante, sentiu um líquido quente escorrer pelas
costas e gritou de dor. O demônio cortara suas asas com a espada e penas
ensopadas de sangue voavam por toda parte.
Eles se afastaram no ar e deixaram Ralph continuar
caindo. Ele sentia um medo sem fim, tentava se movimentar vagarosamente e cair
no edifício que passava quase que tocando, mas ele ficara para trás e o próximo
estava á uns dez metros abaixo.
Sua visão escurecia, tentava manter-se consciente,
estava se aproximando da queda...PLOFT...
caiu rolando no chão duro e permanecendo deitado com o corpo voltado para cima.
Seu corpo doía muito, sua perna latejava e sabia que a
havia quebrado, podia sentir a dor insuportável e seu rosto estava cheio de
hematomas que sangravam assim como seu corpo.
Começou a se erguer vagarosamente procurando sua faca
na bainha, mas inacreditavelmente ela já não estava mais ali. Tentou equilibrar
seu corpo na perna esquerda já que a outra doía demais.
— Se entregue. Agora. — um homem encapuzado por um
manto vinho aparecera, seus olhos demonstravam confiança e o entorpecia, ele
era um pouco baixo, mas nada o abalava.
Desviara a atenção dele quando os três demônios alados
desceram, começou a recuar e notou que estava na beira do edifício e tudo
parecia minúsculo lá embaixo.
— Se entregue, — repetiu o líder dos demônios ainda
focando com olhos que o deixavam tonto.
— Nunca!
— Peguem ele!
Ralph pensou em como lutara para chegar até ali,
lembrava-se de como Zifíllis o treinara para que não caísse nas mãos do
inimigo. “Não morra, Ralph”, foram as
palavras dele.
— Prefiro morrer á me render e me juntar a vocês. —
fora a decisão mais difícil de sua vida e a última.
Deixou seu corpo escorregar pela beira até cair,
saltando para a morte levando sua vida, levando a si mesmo para longe. Seja
como fosse o outro mundo, ele estava disposto a arriscar e aceitar.
Sentir o vento forte batendo em seu corpo e
sentindo seus ferimentos arderem em dor. Fechou os olhos e esperou a queda
acabar e não sentir mais dor, apenas sorriu por ver os rostos surpresos dos
demônios. Tudo se apagou e esvaiu em um baque surdo até que por fim não pudera
sentir nada.
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